sexta-feira, 5 de novembro de 2021

O que aconteceu com você?

O que aconteceu com você?



Luiz Andrada

5 nov. 2021

luizandradabh@gmail.com





O que aconteceu comigo? O que aconteceu conosco?


O fenômeno do ódio político que acomete cada um de nós é mais vasto do que as fronteiras internas do Brasil. O mundo vive uma onda de fanatismo ultraesquerdista e ultradireitista, e testemunha ações as mais bizarras e inacreditáveis, em pleno século XXI, como o fortalecimento do nazifascismo à direita, e a radicalização de movimentos marxistas e progressistas à esquerda, que pretendem se tornar patrulhas ideológicas com a intenção de condenar e encarcerar qualquer um que se oponha às suas pautas. Vale dizer, por exemplo: há brasileiros clamando pelo retorno do AI-5, com saudades do chicote, da porrada e da tortura. Vale dizer ainda: desses tantos muitos são cristãos.


Mais exemplos de extremismo. Atualmente, a Polônia e a Hungria sofrem debaixo de governos de extrema-direita, que disseminam ódio virulento contra imigrantes, muçulmanos, etc. Alguma semelhança com a Europa antissemita da Segunda Guerra Mundial, que odiava judeus e outros grupos? Todos se recordam do trágico desfecho com milhões de mortos? O racismo e a supremacia branca crescem nos EUA e na Europa. Há sites nazistas norte-americanos que vendem abertamente literatura nazista. No Brasil, a antropóloga Adriana Dias, da Unicamp, já identificou cerca de 530 células nazistas no nosso país, número sempre em ascensão.


Nos dois lados a mentalidade é própria de uma espécie de taliban ideológico, que leva seus fiéis a acreditarem que a sua seita é sempre santa, e os que estão fora da seita são demônios. Independente da etiqueta ultrapassada que se ostente: esquerda ou direita. A norma é o ódio. E nós aprendemos bem essa lição, manipulados que fomos por forças maiores que dominam este mundo. Isso é a própria encenação do obscurantismo medieval. Vamos queimar na fogueira da inquisição todos que pensam de maneira discorde da nossa. Dá medo perceber o que virou o Brasil, e as nossas conversas sobre política. Viramos ogros políticos. Eu virei ogro político. E você?


O mundo é mais do que uma luta entre esquerda e direita. Nós não estamos nesta vida para brincar de placa de trânsito: avance para a direita, ou avance para a esquerda. Essa batalha já causou muitas mortes no passado, e ainda é ameaçadora a sua capacidade de produzir o mal e a destruição. A internet está abarrotada de ameaças de morte por motivação política. O pesadelo do fanatismo político ainda não morreu. 


Os santos e os demônios estão em todos os grupos políticos. Aliás, não existe pureza de intenção em nenhum ser humano, muito menos em agrupamentos de pessoas. À medida que as pessoas se reúnem as perversões que eram apenas individuais ganham a força do fermento e crescem assustadoramente. Não existe um único político capaz de representar honestamente o seu eleitor, porque no momento em que aquela pessoa transpõe os umbrais da câmara, da assembleia, do congresso, da prefeitura, ela entra na seara de satanás. E todo mundo que entra no terreno do demônio sai fedendo, sai chamuscado, sai comprometido. Não existe nenhum político que preste. Eles são corruptos, ladrões, mentem, manipulam, recebem propinas. E mais: a psiquiatria afirma que desde que o mundo é mundo há uma imensa parcela de psicopatas na política. Basta ler os livros de história para perceber essa realidade. No dia que eu perdi a minha virgindade política eu deixei de oferecer meu voto de confiança, para oferecer meu voto de suspeita, muito embora eu tenha anulado o meu voto em inúmeras eleições. Eu não acredito em discurso de político, e sinto pena de quem ainda acredita. O povo brasileiro vota na maquiagem do político, e não no escroto real que está atrás da maquiagem. Essa é uma das raízes dos nossos gravíssimos problemas como nação.


Imagino o horror das nossas reações se Jesus Cristo aparecesse almoçando com o Lula, ou com o Bolsonaro. Com a sua capacidade ímpar de chocar e maravilhar as pessoas, Jesus nos faria recordar aquela passagem: “Partindo Jesus dali, viu um homem chamado Mateus sentado na coletoria e disse-lhe: Segue-me! Ele se levantou e o seguiu. E sucedeu que, estando ele em casa, à mesa, muitos publicanos e pecadores vieram e tomaram lugares com Jesus e seus discípulos. Ora, vendo isto, os fariseus perguntavam aos discípulos: Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores? Mas Jesus, ouvindo, disse: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes.” (Mateus 9:9-12). Certamente, nós crucificaríamos novamente o Senhor se ele ousasse questionar o nosso partidarismo farisaico. Aliás, é salutar manter viva a memória do que acontece quando paixões políticas se misturam a entusiasmos religiosos. Jesus Cristo conhece bem esse cenário.


Mais uma eleição se aproxima. Enquanto na maioria dos países desenvolvidos o voto é facultativo, no Brasil somos obrigados a votar. Isso corresponde a dizer: o brasileiro é obrigado a defecar na urna, haja vista a ausência de opções decentes. Mas, podemos protestar de alguma forma, pelo voto nulo, em branco, pela justificativa eleitoral. E torcer para que este país vislumbre o horizonte de uma verdadeira democracia, na qual quem não acredita em políticos não é obrigado a votar, e quem ainda acredita pode livremente fazer da urna eletrônica a sua latrina.


Thomas Jefferson against Calvinism