segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Por que eu vomitei o bolsolavismo?

Por que eu vomitei o bolsolavismo?


Luiz Andrada

22 nov. 2021

luizandradabh@gmail.com





Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. Pelos seus frutos os conhecereis. Mateus 7:15-16.



O vômito é a rejeição de matéria estranha e indigesta, a qual o organismo expele em prol da preservação da saúde. Em síntese, essa é a razão pela qual eu vomitei da minha história o Olavo de Carvalho e o militar que ele indicou ao trono imperial, o antipresidente Bolsonaro, a maior fábrica de fake news do território nacional. Esses dois personagens são os maiores ídolos de canela de barro que essa coisa horrenda chamada destra exalta. Eles se tornaram dois cruzados heroicos com o poder de salvar as nossas almas. Mas, salvar do quê? E salvar para o quê? É bizarro ouvir bolsolavistas reproduzindo a lavagem cerebral grotesca à qual estão submetidos diuturnamente, uma hipnose com efeito laxante. A imensa parcela do séquito que vive como sombra desses dois exímios manipuladores é formada por cristãos. Sim, inacreditavelmente por cristãos. Escravos, cegos, subalternos, renunciando à liberdade que Cristo conquistou para o seu povo. O nome que se dá a esse tipo de prostituição espiritual é idolatria, um pecado que pode nos garantir o inferno.


Vivemos um pesadelo no Brasil, um rascunho de democracia, em grande parte fruto da obra do Olavo de Carvalho, e do seu enteado ideológico, o capitão cloroquina. O delírio bolsolavista nasceu, suspirou alucinações de megalomania lá da Virgínia, nos EUA, depois se meteu numa caixa de cloroquina, e agora morre, pela graça de Deus. Se as pesquisas eleitorais estiverem corretas, Bolsonaro transformou-se em algo menos do que um cachorro morto, e perderá a eleição para qualquer candidato. Ele mesmo, a cada vez que abre a boca, comete suicídio eleitoral. A pá de terra está pronta. E foi ele o maior responsável pela sua morte política. 


Olavo de Carvalho, com seu charme magnetizante, é uma mistura de filósofo fanático, ideólogo, ogro da boca podre, sarcástico, esotérico, astrólogo, muçulmano e católico tradicionalista. Ele é uma completa baderna religiosa e sincretista, e um oráculo repleto de teorias da conspiração nas dobras do seu cérebro. O cidadão enxerga comunista no garçom, no menino com o skate, no trocador do ônibus, trepado no ventilador do teto, nos Beatles, fantasiado de peixe dentro do aquário no restaurante. Todos que se infectam com as ideias do Olavo caem na mesma paranoia visceral, acreditando que a esquerda é demoníaca porque a direita é santa. Uma lógica esquisita. Eu acredito que a esquerda tem graves problemas, mas a direita tem mais ainda. Essa nova direita brasileira, com seu discurso messiânico, rendeu frutos amargos ao nosso povo.


O professor Olavo criou ao redor de si uma seita que o venera com paixão entranhada. Ele é o dono absoluto da verdade, o único exegeta e hermeneuta qualificado a interpretar e a dirigir o nosso posicionamento político. Ele é o homem mais inteligente do sistema solar, e esse discurso publicitário que o Olavo de Carvalho faz de si mesmo atrai uma horda de seguidores, que querem sorver um pouco dessa aura prepotente, como a dizer: “Eu sou inteligentíssimo, porque afinal eu sou aluno do Olavo de Carvalho!”. Os seguidores do Olavo usam esse filósofo como uma medalha, um talismã que os liberta da mediocridade e da torpeza do brasileiro. E eles esfregam essa medalha na cara de todos como garantia da sua hipotética superioridade intelectual. 


Certa feita, durante um dos seus surtos de humildade, o Olavo disse de si mesmo aproximadamente assim, ao desferir um dos seus milhões de coices contra um infeliz ser inferior que ousou rastejar aos pés do sol que ilumina o universo: “Quem é você?! Olhe o seu tamanho, rapaz! Quem é você para conversar com um homem do meu tamanho?!”. O Olavo é do tamanho exato da humildade cristã. Um primor equino sem igual. Vale a pena ler o que escreveu a filha desse senhor, Heloisa de Carvalho, sobre o seu próprio pai, no livro Perguntem a meu pai, o guru do presidente: a face ainda oculta de Olavo de Carvalho, para se deduzir que a síndrome de monarca acompanha esse senhor desde longa data. Ele é rei, e não ouse questioná-lo, pois a guilhotina está logo ali. É prudente desconfiar de quem usa o nome de Deus como pretexto para constantemente destruir e humilhar o próximo. Essa é uma tática compulsiva muito utilizada pelo Olavo de Carvalho e pelo seu rebanho, e por grupos totalitários mundo afora. Eu considero esses espécimes os que mais desconfiança despertam na seara da política. “Deus acima de todos” costuma ser lema de ditador, retórica vazia para escravizar ingênuos. E quando um ditador psicopata usa a palavra "Deus" ele está se referindo a si mesmo.


Quando eu perdia tempo ouvindo o programa True Outspeak, do Olavo, bem me recordo de que havia no início uma invocação a um homem considerado santo na religião católica romana, e ele mesmo pedia a graça de não cometer injustiças durante aquele programa. Meio segundo após findar a oração, o Olavo começava a metralhar palavrões, xingamentos, baixarias, ofensas, difamações. Provavelmente, ele deve ter encerrado a empreitada desse programa após sofrer processos judiciais por conta do seu ego descontrolado. Só Deus sabe a quantos processos judiciais ele respondeu durante a sua carreira. E as pessoas que seguem o Olavo desenvolvem o mesmo ego quixotesco, de cavaleiro templário, desbocado, agressivo. 


Vários seguidores do Olavo de Carvalho são incapazes de simplesmente cumprimentar uma pessoa que pertença a qualquer grupo ideológico, religioso, político que ofenda minimamente o fanatismo que eles professam. É um clube de paranoicos. Melhor seria se vivessem numa bolha, porque a realidade é completamente ameaçadora para quem escolhe a profissão de fariseu: “Obrigado, Senhor, porque eu sou justo e santo, e o resto é ralé pecadora!”. Curiosamente, muitos adeptos da direita que eu frequentei e conheci são mais podres e perigosos do que alguns membros da esquerda, o bode expiatório preferido do momento. Se os governos não acordarem para o risco representado por essa direita fanática que aí está, iremos assistir a atrocidades no Brasil e no mundo, como, por exemplo, o crescimento do nazismo entre os brasileiros, fenômeno bem pesquisado por pessoas do meio acadêmico, como a antropóloga Adriana Dias, da Unicamp, que encontrou 530 células nazistas no nosso país, número sempre em ascensão. É preciso dizer que o Olavo de Carvalho e o Bolsonaro provavelmente são estrelas entre os neonazistas brasileiros?


Da parte do Olavo eu já ouvi pérolas as mais sombrias. Ele defendeu o coronel Ustra, condenado pela Justiça brasileira pelos crimes de sequestro e tortura. Inclusive, alguns militantes bolsolavistas conseguiram ingressos para a cadeia ao defenderem o fechamento do STF, espalharem fake news, atacarem a democracia e exigirem o retorno do AI-5, movidos que são pela paixão incontida e nostálgica pelos anos do governo do cassetete. Todos muito cristãos. Uma dessas garçonetes do bolsolavismo, que hoje afirma não mais apoiar o presidente, elegeu para si o nome de guerra de uma espiã nazista britânica, a Sara Winter. Mera coincidência de cartório? De acordo com o irmão da ativista, em notícias amplamente divulgadas, desde a adolescência Sara Winter estuda o nazismo. Em suas fotos e vídeos ela manifesta um discurso radical e agressivo, e ostenta armas de fogo — ou réplicas. O papel mais recente que ela tem representado diante dos seus seguidores nas redes sociais é o de beata católica, muito devota da virgem Maria. Essa mistura entre religião e política rende votos.


Numa ocasião, um professor que havia trabalhado com o Olavo, e que conhecia a sua família, me disse que todos os filhos do Olavo de Carvalho eram muçulmanos. Provavelmente, ele se referia aos filhos do primeiro casamento. E se ainda são muçulmanos eu não sei. Esse é o mesmo Olavo idolatrado no Brasil inteiro como cristão conservador, a tábua de salvação desta nação. Outra pérola diz respeito à ingerência megalomaníaca do Olavo no governo do capitão cloroquina, como se ele tivesse autoridade para guiar os passos do presidente. Delírio típico de um ególatra descontrolado. Mas, o Olavo não recebeu um voto sequer e nem autorização dos eleitores para se meter no Executivo. Eu fiquei completamente estarrecido quando me dei conta de que o Olavo de Carvalho estava contratando e exonerando esse ou aquele ministro do governo Bolsonaro, além de técnicos para essa ou aquela pasta. De si mesmo, em mais um surto de humildade, ele disse que seria um excelente embaixador. 


Ele também nunca escondeu a sua predileção pelo catolicismo tradicionalista, uma vertente medieval e tóxica, que congrega elementos da extrema-direita. O Olavo elogiou dom Marcel Lefebvre, o herói dos católicos tradicionalistas, e a sua Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), um grupo no qual se escutam claramente ecos nazifascistas. Um dos bispos da FSSPX, dom Richard Williamson, por ser tão nazista foi expulso da Argentina, e da sua própria fraternidade, e foi condenado a pagar uma multa na Alemanha porque ele apregoa o revisionismo histórico, nega o holocausto judaico, ataca Israel e o povo judeu. A expulsão de dom Williamson da FSSPX foi um espetacular jogo de cena, haja vista que ao expulsar um nazista do grupo a liderança escondeu os outros muitos nazistas que ainda continuam no seu interior. De fato, o tradicionalismo católico é uma reunião de medievais, ultramontanos, racistas, misóginos, cruzados, templários, etc. Gente muito boa, que sofre amarguras existenciais indizíveis porque a Idade Média terminou. Eles querem chicote, cilício e cinto de castidade. Que o Opus Dei diga amém.


O Olavo fez uma soberba propaganda de um livro que é o mimo dos católicos tradicionalistas da FSSPX, ao dizer que se trata de um dos livros mais importantes que ele leu na vida. É uma relíquia do fanatismo mariólatra de título O derradeiro combate do demônio, de autoria do padre Paul Kramer. Mas, basta um lance de dois segundos sobre a figura do tal padre para se sentir medo, tamanha a psicose que emana dos seus olhos. Ele parece um mafioso da antiga Chicago, uma mistura de charlatão com maníaco alcoólatra. A pinta do padre causa arrepios. Mas, se o Olavo disse que o livro tem valor é porque Deus disse. Portanto, pratique o mimetismo intelectual e leia. A tese central do livro, que aborda a mitologia das aparições em Fátima, é de que o mundo precisa de mais Maria, e de menos Jesus. O livro sintetiza a religião católica romana, que num golpe sórdido expulsou Jesus Cristo do seu trono de glória e no lugar dele impôs uma miríade de santos, beatos, Maria, etc. Fátima se tornou uma indústria multibilionária, que pela idolatria enriqueceu majestosamente os cofres da igreja romana. Em seus artigos e livros o padre Mário de Oliveira, português, tem denunciado com maestria os pecados dessa igreja em Fátima. Entre Paul Kramer e Mário de Oliveira, eu sugiro ao leitor que leia o último, apesar da sua adesão à teologia da libertação. Mas, eu não sou Deus e, portanto, você não precisa obedecer as minhas sugestões.


Eu me reconheço no passado imiscuído em algumas linhas deste meu texto. Por algum tempo, eu respirei a atmosfera de banheiro de rodoviária que se respira no bolsolavismo e no tradicionalismo católico. Todos nós buscamos referências, e em certo momento nos afastamos de algumas vozes que um dia nos influenciaram. Se o Olavo de Carvalho fez um excelente trabalho para mostrar a decadência da esquerda, agora deveria, por obrigação moral, fazer o mesmo trabalho para revelar o caos da direita fanática que ele gestou neste país.


Quando eu conheci o hospício do tradicionalismo católico, e me deparei com elementos nazifascistas, cumpri o meu dever de cidadão e denunciei o grupo ao poder público e a diversas outras instâncias da sociedade, da imprensa, da comunidade judaica, da própria religião romana. O meu blog Denuncie os católicos tradicionalistas serve de alerta sobre esse grupo religioso que vive em perfeito matrimônio com a extrema-direita política. O catolicismo tradicionalista não é essa candura que o Olavo apresenta.


O mundo está vivendo uma onda de perturbações ideológicas, ora ultraprogressistas, ora ultraconservadoras. A teoria do pêndulo se comprova ante os nossos olhos. Enquanto países europeus, por exemplo, se abrem para a imigração, milhões de cidadãos reagem cultivando ódio, xenofobia, racismo, nacionalismo exacerbado, supremacia branca, nazifascismo. E a religião entra nesses espaços para conferir a essas vozes furiosas o carimbo da adesão do próprio Deus, o principal garoto-propaganda do ódio na atualidade. Em nome de Deus estamos vendo o mundo despencando na barbárie, na selvageria, no terrorismo. A mistura demoníaca entre política populista, de qualquer tendência ideológica, e religião extremista é das mais perturbadoras e perigosas que a humanidade conhece. O cenário político e religioso no Brasil ainda não é idêntico ao que encontramos nos Estados Unidos e na Europa, mas isso não quer dizer que nunca será.


Thomas Jefferson against Calvinism