quarta-feira, 27 de julho de 2022

Um dia no Centro de Belo Horizonte

Um dia no Centro de Belo Horizonte


Luiz Andrada

27 jul. 2022

luizandradabh@gmail.com





Carlos reside no Centro de Belo Horizonte, entre a Praça Sete e o Shopping Cidade.


A cada dia Carlos enfrenta vários desafios. Logo ao sair do seu prédio ele se depara com dois antigos moradores ilustres sorrindo alegremente:


— Bom dia, cocô de mendigo! Bom dia, poça de urina!


Um salto mortal e ele logo se recupera.


Mais adiante começa a ladainha dos moradores de rua, drogados, pivetes, etc. Como Carlos tem a aparência de um caixa eletrônico todos se sentem no direito de exigir dinheiro, e se for negado o pedinte lança uma praga.


— Me vê um trocado para o café! Me dá um dinheiro para a marmita! Me vê um dinheiro para o jantar! Me carrega no colo, me dá seu peito para eu mamar, me leva para sua casa, me faz dormir, etc.


O cidadão é obrigado a fazer o papel do próprio e autêntico Estado fornecedor de benefícios, auxílios, bolsas.


Essa multidão de mendigos é bastante exigente. Carlos é importunado o dia inteiro por essa perigosa tribo de drogados.


Ao virar o quarteirão Carlos encontra a velha e sempre jovem quadrilha que rouba itens de ouro e celulares na região central. Um dia a Guarda Municipal e a Polícia Militar tomarão medidas concretas para coibir esses crimes. Até lá, continuamos aguardando.


A etapa final do desafio de perambular pelo Centro de Belo Horizonte, este pardieiro decadente, inclui sobreviver a motoqueiros criminosos que avançam o semáforo reiteradamente; saltar buracos nas calçadas; fugir de caixas sem tampas nas calçadas; ouvir gente insuportável e irritante gritar o dia inteiro a plenos pulmões: “Vendo ouro! Compro ouro! Avalio ouro! Compro cabelo!”; suportar taxistas ogros que berram, buzinam, gargalham, incomodam os vizinhos; suportar igrejas evangélicas barulhentas abrindo suas portas a cada esquina, para arrancar dinheiro de otários semianalfabetos; presenciar moradores de rua imundos e sem higiene entrando em padarias, lanchonetes, restaurantes; fugir das fezes e da urina dos cães de estimação; fugir de gente vendendo balas e doces, o dia inteiro atrás das pessoas, insistindo, incomodando, querendo forçar um aperto de mãos; etc.


Por diversas vezes, ao longo dos anos, reclamamos e denunciamos circunstâncias as mais absurdas. Por duas ocasiões, processei uma igreja pentecostal estabelecida no segundo andar de um prédio comercial na Rua Tamoios. Gritos, palmas, bateria, urros, berros, um verdadeiro inferno transmitido por microfones e caixas de som em volume altíssimo. Também processei um restaurante que no período noturno apresentava pagode até alta madrugada. Detalhe sórdido: a igreja pentecostal citada ocupou o mesmo imóvel que pertencia ao restaurante.


Na porta do Shopping Cidade e nos bares ao redor os músicos se apresentam até o período noturno. Saxofone, violão, violino, trombone, voz, caixas de som animando o karaokê.


Há alguns anos, a parada gay trouxe vários trios elétricos para os quarteirões ao redor da Praça Sete, causando um transtorno imenso, haja vista o volume ensurdecedor. As janelas dos nossos apartamentos tremiam diante da potência dos trios elétricos. Eu organizei um abaixo-assinado e levei à Promotoria do Meio Ambiente, e depois de alguns meses o promotor determinou que a parada gay não poderia mais se estabelecer nesta região, indicando a Praça da Estação para receber esse evento.


Enquanto o morador sofre, a Prefeitura de Belo Horizonte “trabalha” arduamente multando carros estacionados em diversas localidades do Centro. Afinal, a Prefeitura precisa de recursos para continuar fazendo porcaria nenhuma pelo cidadão que reside neste bairro.


Thomas Jefferson against Calvinism