sábado, 3 de abril de 2021

A imprensa no meu celular

A imprensa no meu celular


Luiz Andrada

03 abr. 2021

luizandradabh@gmail.com






Eu chamarei de Manuela a nossa personagem, que representa a todos nós. Um dia, ela decide vasculhar os sites de diversos jornais a fim de descobrir conteúdos e tendências daquilo que nós é oferecido sob o título de imprensa.


Ela descobre que o assunto dominante é a pandemia do coronavírus, que evidentemente merece toda a nossa atenção. Mas, o detalhe intrigante é a cor sempre negativa e destrutiva das notícias. O ruim, o mal, a desgraça conquistam muito mais audiência. A intenção perversa dos jornalistas é convencer a sociedade de que não há esperança, vitória, superação. Manuela vomitou.


Em um dos jornais Manuela leu sobre um ser humano (ou animal selvagem?) que agrediu e quebrou o fêmur de um idoso, porque este havia solicitado gentilmente que o agressor usasse máscara no seu estabelecimento comercial. Fratura de fêmur em idoso pode causar a morte. Que povo é esse? Ela sentiu medo.


Depois vieram notícias sobre política, exaltando um saudosismo cretino dos tempos em que o brasileiro era realmente feliz, na era Lula, PT, Dilma, criminosos propineiros, muitos dos quais na cadeia. Hoje o Brasil é infeliz. Ontem era feliz. Que saudade do PT.


Embora ela aprecie muito o futebol, Manuela se deu conta da alienação fanática do nosso povo por esse esporte, dominado por jogadores adultos no corpo e menores de idade no cérebro, imaturos, drogados, bêbados, estupradores, assassinos, enfim, gente da pior espécie. Brasileiro coloca no altar todos esses jogadores, técnicos, clubes, etc. É imenso o espaço para o futebol nos sites dos jornais. Manuela se irritou pra valer.


Manuela encontrou em seguida as notícias mais relevantes da galáxia: a vida fútil e babaca do que se convencionou chamar de “celebridades”, normalmente prostitutas que se transformaram em influenciadoras digitais (o que é isso?!), dançarinas de palco e garotões de academia. Um espetáculo de carência afetiva, narcisismo exacerbado, cérebros de amebas. São esses que formam as opiniões dos brasileiros. Cada povo tem o influenciador digital que merece.


Depois um pouco de humanização de cães e de gatos, transformados em bens afetivos mais valiosos do que os próprios humanos. Essa coisa dos pets está levantando uma grana alta. Ela assistiu um trecho de vídeo mostrando uma mulher que tratava o seu cão como se fosse um marido. Manuela achou aquilo bem estranho. Enfim.


Aqui e ali pinceladas de teatro social, para fingir que o jornal se preocupa com os mais pobres. Gente pra todo lado pedindo dinheiro, e poucas empresas de mídia prestando contas detalhadas sobre cada centavo do dinheiro recebido. Conglomerados de mídia não precisam pedir dinheiro a ninguém, pois são grupos riquíssimos. Essas empresas podem ajudar muitas pessoas, sem precisar fazer campanha para pedir dinheiro ao sofrido povo deste país.


Finalmente, Manuela percebeu que toda essa estrutura canalha, mentirosa, manipuladora é sustentada pelos anunciantes que pagam pelos espaços nesses sites: cartão de crédito, refrigerante, carro, sal de fruta, etc. Ela sentiu vontade de boicotar todos esses produtos e empresas.


Manuela decidiu descansar a mente, após essa trágica aventura pelo universo jornalístico à disposição no seu celular. Seu estômago parecia ferver. A visão estava turva. O ânimo era o de uma minhoca esmagada. A autoestima em frangalhos. Manuela simplesmente desligou o celular, e orou.


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